O julgamento da Ovelha


Monteiro Lobato

Um cachorro de maus bofes acusou um pobre ovelhinha de lhe haver furtado um osso.
- Para que furtaria eu esse osso – alegou ela – se sou herbívora e um osso para mim vale tanto quanto um pedaço de pau?
- Não quero saber de nada. Você furtou o osso e eu vou já levá-la aos tribunais.
E assim fez.
Queixou-se ao gavião-de-penacho e pediu-lhe justiça. O gavião reuniu o tribunal para julgar a causa, sorteando para isso doze urubus de papo vazio.
Comparece a ovelha. Fala. Defende-se de forma cabal, com razões muito irmãs das do cordeirinho que o lobo em tempos comeu.
Mas o júri, composto de carnívoros gulosos, não quis saber de nada e deu a sentença:
- Ou entrega o osso já e já, ou condenamos você à morte!
A ré tremeu: não havia escapatória!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entregá-la em pagamento do que não furtara.
Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juízes famintos, a títulos de custas...

Fiar-se na justiça dos poderosos, que tolice!... A justiça deles não vacila em tomar do branco e solenemente decretar que é preto.

(LOBATO, Monteiro. Fábulas. 21 edição. São Paulo: Editora Brasilense, 1969, p.36.)